Os impactos da pandemia para a economia internacional, segundo analistas, serão intensos. Haverá uma significativa desaceleração do crescimento mundial, no melhor dos cenários, ou uma recessão global. Em comunicado divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em 20 de abril de 2020, a diretora-geral do órgão, Kristalina Georgieva, afirmava que a atividade global iria declinar em uma escala como não se via desde a Grande Depressão, nos anos 1930.
Por um lado, as inovações tecnológicas, durante e pós-pandemia tiveram um ciclo de aceleramento. Nunca na história nos apoiamos tanto no teletrabalho. Nunca precisamos nos adaptar tanto ao uso das novas tecnologias e da Internet. Há uma janela para a Inovação que afeta o mundo do trabalho e, em consequência, uma corrida das empresas por aplicativos, tanto para entregas delivery quanto para sistemas de administração remotos, bem como para a realização de reuniões a distância.
É uma janela que merece atenção na área de fomento. Mas por outro lado há o próprio desemprego estrutural associado a isso. O risco de maior controle do tempo pelas rotinas de trabalho ao passo que pode surgir uma tendência empresarial para se questionar a necessidade de garantir benefícios como vale transporte, vale alimentação e indenizações ou licenças remuneradas por acidentes de saúde relacionados ao trabalho. A isso chamamos de “precarização do trabalho”, além de um número cada vez maior de pessoas aderindo à informalidade, como forma de garantir algum dinheiro nos bolsos, no final de cada mês. Como resultado, uma grande parcela da força de trabalho poderá ficar mais vulnerável, porque há o enfraquecimento da capacidade de barganha coletiva, que já tinha sofrido revés com a Reforma Trabalhista.
Dimensão da Crise
Ainda é muito cedo para mensurar qual será a real dimensão da crise no Brasil decorrente da pandemia ou se ela será comparável à Grande Depressão. Podemos afirmar, no entanto, que a história da teoria econômica oferece elementos técnicos suficientes para serem contrapostos à crise, mas o grande desafio é superar as divergências políticas entre os estados e a União. No momento, há quase um consenso entre economistas de diversas correntes que o caminho é fortalecer o papel do Estado como interventor, com a adoção de medidas para assegurar a renda, a demanda e o bem-estar social, incluindo aí gastos essenciais, como os da Saúde.
É preciso que a União dê respostas nesse momento e socorra os estados. Nosso sistema tributário e o pacto federativo fazem com que as respostas e recursos necessários sejam provenientes do governo federal, que tem a exclusividade de emitir moeda e títulos da dívida pública. Há, no entanto, uma grande preocupação com a saúde financeira de empresas e do próprio país, após este período. A inflação e a desvalorização da moeda já são realidades com as quais convivemos nos últimos meses, some a isso a queda no poder de compra e o desemprego de milhares de brasileiros e a perspectiva para 2021 é quase tão preocupante quanto a da própria saúde dos contaminados com a doença.
Qual impacto a chegada da vacina terá na economia?
Retomada do mercado tende a ser em ritmo desigual, na medida em que o acesso ao imunizante não será o mesmo entre os países.
Vários países aceleram os preparativos para a vacinação da população contra a Covid-19, esperada para começar de forma generalizada no fim de janeiro ou, no mais tardar, início de fevereiro. Na expectativa de reverter o quanto antes os estragos provocados pela pandemia, diferentes setores da economia também já se projetam para o mundo pós-vacina – mas especialistas advertem que o efeito do imunizante não será milagroso.
“A vacina com certeza mudou as perspectivas e é uma luz no fim do túnel, porém é preciso ter em mente que o caminho pela frente vai envolver grandes desafios. Nos países da OCDE, mesmo nos melhores cenários, a perspectiva é que leve de seis a oito meses para que os efeitos da vacina comecem a ser sentidos”, afirma o diretor-adjunto da Divisão de Saúde da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), o brasileiro Frederico Guanais.
“É preciso administrar essa vacina em escala suficiente para contribuir para a interrupção do ciclo de transmissão do vírus, ou seja, chegar à famosa imunidade de rebanho, de 70 a 80% da população imunizada. Só que, na maioria dos países, a vacinação ocorrerá em etapas”, indica o especialista.
Com a imunização em massa, o mundo poderá reabrir os setores mais abalados pela crise, como o comércio, o turismo e a cultura.
Em suas perspectivas econômicas para 2021, a OCDE prevê alta de 4,2% do PIB mundial graças à vacina, com os índices de crescimento semelhantes à antes da pandemia já no fim do ano que vem.
A retomada da Crise Econômica
A retomada da crise econômica decorrente da pandemia tende a ser em ritmo desigual, na medida em que o acesso ao produto não será o mesmo entre os países. Os investimentos na compra do imunizante e na organização das futuras campanhas de vacinação serão determinantes, frisa Frédéric Bizard, economista da saúde e professor da ESCP Business School de Paris.
“A vacinação não vai, em alguns dias, permitir às pessoas voltarem a viver normalmente. As medidas de proteção ainda permanecerão por um bom tempo”, ressalta o francês.
“E haverá diferenças entre os países. Os Estados Unidos, que investiram US$ 2,5 bilhões na vacina da Moderna e, evidentemente, terão doses prioritárias em relação a outros países, poderão lançar rapidamente uma vacinação em massa. Eles vão sair, provavelmente, mais rapidamente da epidemia do que a Europa”, compara o professor, que também preside o think tank Institut Santé.
Disparidade mundo afora
Os primeiros efeitos na economia são esperados para o segundo trimestre de 2021. Uma análise do banco Goldman Sachs projeta que 50% dos americanos e canadenses estarão vacinados em abril e, na União Europeia, Japão e Austrália, esse objetivo será alcançado, no mínimo, em maio.
Dentro da Europa, o ritmo da imunização coletiva também será desigual. Alemães e belgas, que produzem a vacina da Pfizer-BioNTech, devem sair na frente em relação aos vizinhos.
Nos países em desenvolvimento as disparidades serão igualmente grandes, explica Guanais.
“Os cenários variam de acordo com uma série de elementos – não somente em relação à presença da vacina, como à estrutura da economia, à dependência que cada setor da economia tem do turismo e de atividades intensivas em contato. Nem todos os setores tiveram impacto da mesma forma”, pontua o vice-diretor de Saúde da OCDE.
Ele destaca que iniciativas como o acelerador de vacinas da OMS devem agilizar o desenvolvimento e a distribuição do imunizante nos países de renda média e baixa.
Obrigação de vacina para pegar avião?
Se o avanço da vacinação é a única saída para a crise do coronavírus, as empresas devem se planejar para obrigar os clientes a se vacinar? No setor aéreo, um dos mais abalados pela pandemia, a companhia Qantas já anunciou que exigirá a imunização dos passageiros para poderem embarcar.
Para Guanais, o setor privado, em especial os mais abalados pela pandemia, podem ter um papel proativo na saída da crise.
“O fato de que o setor privado se movimenta com ideias e propostas é muito interessante. Mas colocá-las em prática requer uma série de outros elementos. Isso já acontece, por exemplo, com a febre amarela. Você precisa apresentar uma caderneta de vacinação e só poderá viajar para uma determinada lista de países se estiver em dia”, detalha.
Outra hipótese seria a adoção de uma “caderneta Covid”, na qual cada pessoa relevaria a sua situação perante a doença: se já foi infectada, vacinada ou jamais teve contato, nem com a Covid-19, nem com o imunizante. Frédéric Bizard, entretanto, avalia que qualquer obrigação vinda do setor privado pode se revelar um tiro no pé, ao acabar criando novas barreiras para a retomada.
“Eu duvido um pouco disso, porque os economicamente ativos, que são os que mais viajam e que apresentam menos riscos, serão os últimos da fila da vacinação. Acho que seria um erro exigir que cada passageiro seja vacinado”, indica o economista francês.
“Temos um sistema de testagem que está funcionando bem e é confiável. Exigir que um passageiro faça um teste me parece algo normal, mas exigir que ele seja vacinado, é algo que sequer será possível para muita gente.
Organização e transparência
No Brasil o governo federal fechou contrato com a vacina Oxford/ AstraZeneca, e poderá também adquirir a chinesa Sinovac, que foi comprada pelo governo estadual de São Paulo e conhecida no país como Coronavac.
“O Brasil é uma grande economia, com um setor farmacêutico sofisticado e capacidade de produção local. O país tem a capacidade de apostar em mais de uma vacina, e isso garante que haverá opções. Afinal ainda não sabemos qual será a melhor vacina”, avalia Guanais.
Até o momento, entretanto, nenhum plano nacional de vacinação foi detalhado no Brasil.“Há idas e vindas no planejamento e é um caminho que deve ser fortalecido. É muito importante que a população seja comunicada, de uma forma transparente”, pontua o economista da OCDE.OCDE projeta queda de 6% do PIB do Brasil em 2020 e crescimento de 2,6% em 2021